A segurança das barragens de rejeitos tem se tornado uma preocupação recorrente em todo o mundo pela frequência dos casos de rupturas e vazamentos nessas estruturas, gerando graves consequências econômicas, sociais e ambientais.
No Brasil, essa questão passou a ser discutida com mais intensidade logo após o rompimento da barragem da mineradora Samarco na cidade de Mariana (MG), em novembro de 2015, seguido pelo rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho (MG), em janeiro de 2019.
Um consenso entre os especialistas em engenharia de barragens é de que não há obra completamente segura. Por isso, o risco deve ser calculado a partir da probabilidade de eventual ruptura e suas possíveis consequências para a sociedade.
Apesar de parecer algo óbvio, toda obra de engenharia tem que estar preparada para enfrentar intempéries. No caso das barragens, por exemplo, os rejeitos sólidos podem se liquefazer com as chuvas em excesso e acabar danificando a estrutura.
O problema é que as barragens brasileiras estão crescendo em altura e em quantidade de rejeitos, elevando esse risco com o passar dos anos.
Segundo Alberto Sayão, professor da PUC-Rio e membro da Academia Nacional de Engenharia (ANE), a cada 30 anos as barragens de rejeitos no país ficam com dez vezes mais volume, o que é determinante para o aumento da probabilidade de acidentes.
Em abril de 2019, durante o Seminário sobre Segurança de Barragens de Rejeitos organizado pela Academia Brasileira de Ciências, Sayão ressaltou que o risco de ruptura existe, mas pode ser reduzido. “Risco em engenharia não é subjetivo, pode ser calculado. O cálculo é feito buscando a relação entre risco e benefício: trata-se de quantificar a possibilidade versus a consequência”.
A água é o maior inimigo das barragens de rejeitos
A princípio, quanto maior a barragem, menos segura ela será. Por isso, as construções de barragens devem sempre considerar os efeitos das chuvas intensas.
A maior parte dos incidentes em barragens de rejeitos são causados pela água, a maioria devido a instabilidades resultantes de problemas na drenagem.
Mas não podemos simplesmente culpar a chuva pelo rompimento ou vazamento de uma barragem.
Os acidentes só ocorrem quando existe algum erro de engenharia, gerenciamento ou manutenção.
No caso do rompimento da barragem de Mariana, por exemplo, o relatório final concluiu que a principal causa do incidente foram as ampliações sem o devido preparo.
É preciso entender que uma barragem de rejeitos não “é” estável. Ela “está” estável. E por isso sua segurança deve ser monitorada continuamente através de estudos de estabilidade.
Fatores de ruptura em barragens de rejeitos
Fenômenos que conduzem à instabilidade dos taludes estão entre os principais fatores de risco na segurança de barragens, que devem ser previstos e evitados por seus gestores.
Entre eles, se destacam:
- liquefação;
- galgamento ou overtopping;
- piping.
A liquefação ocorre quando o rejeito perde repentinamente a resistência ao cisalhamento e passa a se comportar como um fluido. Esse fenômeno está normalmente associado a carregamentos estáticos ou dinâmicos, ocorrendo na maioria das vezes em barragens de rejeitos alteadas a montante.
O galgamento ou overtopping acontece quando a água contida no reservatório ultrapassa a crista da barragem e acaba levando o maciço à ruptura parcial ou total. Geralmente é causado por problemas no dimensionamento dos sistemas de contenção (borda livre) e/ou de vertimento da barragem.
O piping ocorre quando há uma erosão interna de jusante para montante e o fluxo de água excessivo forma um orifício alongado que causa o carreamento de partículas de solo pelo maciço. O deslocamento dessas partículas desestabiliza as forças na matriz do solo e o estado de tensões no maciço. Com o tempo, formam-se canais contínuos que levam ao colapso da barragem. O piping no corpo do aterro geralmente é causado por falhas no sistema de drenagem interna. Quando ocorre nas fundações ou nas ombreiras, o fenômeno pode ser decorrente tanto de falhas na drenagem quanto de problemas geológicos ou construtivos.
Segurança e planejamento
As medidas de segurança em barragens de rejeitos devem ser pensadas desde o projeto, passando pela construção e operação da estrutura, até sua estabilidade e posterior fechamento.
No que se refere à segurança, os principais pontos a serem observados no projeto dessas barragens são:
- robustez e flexibilidade;
- estudo do balanço hídrico para um dimensionamento adequado dos sistemas de drenagem;
- garantia de uma drenagem eficiente.
Durante a construção e a operação, o gestor precisa estar atento para a ocorrência de níveis excessivos de água e também para falhas nos sistemas de drenagem superficial e interno, que podem prejudicar a estabilidade da barragem e comprometer todo o empreendimento.
Como os especialistas alertam, a questão do alteamento é central para a estabilidade de uma barragem de rejeitos. Quanto mais lento for esse processo, melhor é a drenagem e maior é a resistência da lama e do material arenoso.
O alteamento de barragens pode ser feito de três formas:
- a montante;
- a jusante;
- na linha de centro.
Apesar do método por montante ser o mais utilizado, pelo baixo custo, ele representa um risco muito elevado. Por esse motivo, a construção de barragens a montante está proibida no Brasil desde fevereiro de 2019, conforme a Resolução Nº 4 da Agência Nacional de Mineração (ANM).
A partir de 2027, este tipo de barragem estará proibido de operar no país.
Segundo a ANM, até a data de publicação da resolução, ainda existiam 88 barragens a montante ou sem identificação de método construtivo em funcionamento, 43 delas classificadas como de alto dano potencial associado.
Em dezembro de 2019, encerrou o prazo para que os empreendedores elaborassem projetos técnicos para conduzir a desativação e a descaracterização dessas barragens.
Dos empreendimentos que responderam à agência, 37% realizarão a estabilização e reforços estruturais, 2% construirão estruturas de contenção a jusante, como muros de contenção, e 15% adotarão as duas medidas em conjunto.
Os 46% restantes declararam que a descaracterização não necessita de medidas de reforços, pois estão em boas condições de estabilidade. Segundo a ANM, estes casos foram oficiados para apresentarem uma justificativa, sob risco de interdição pela agência.
A resolução de 2019 estipulou ainda que todas as barragens, independente do método construtivo, elaborassem estudos para a redução de aporte de águas operacionais e de águas superficiais e subterrâneas. O objetivo é reduzir a quantidade de água livre nos reservatórios para minimizar os riscos de ruptura por liquefação.
Evolução da legislação de segurança de barragens
Até 2010, quando foi promulgada a lei que estabeleceu a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), ainda não havia no país um instrumento legal tratando de forma detalhada a segurança das barragens de rejeitos.
Anteriormente, existiam apenas as Normas Reguladoras da Mineração (NRM) estabelecendo critérios gerais para a disposição de estéril, rejeitos e produtos provenientes do beneficiamento de minérios.
Hoje em dia, a PNSB aplica-se a barragens com pelo menos uma das seguintes características:
- altura do maciço maior ou igual a 15 m;
- volume total maior ou igual a 3 milhões de m3,
- armazena resíduo considerado perigoso;
- apresenta dano potencial associado médio ou alto.
A lei determina ainda que o empreendedor é o responsável legal pela segurança da barragem e a fiscalização da segurança de barragens caberá, sem prejuízo das ações fiscalizatórias dos órgãos ambientais:
A fiscalização da segurança cabe, sem prejuízo das ações de órgãos ambientais, à entidade outorgante de direitos minerários para fins de disposição final ou temporária de rejeitos.
Em 2012, a resolução n° 143 do Conselho Nacional de Recursos Hídricos estipulou que todas as barragens em território nacional devem ser classificadas com base em três critérios: categoria de risco, dano potencial associado e volume do reservatório.
No mesmo ano, a Portaria n° 416 do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) criou o Cadastro Nacional de Barragens de Mineração, além de dispor sobre questões específicas referentes ao plano de segurança, à revisão periódica de segurança e às inspeções regulares e especiais de segurança.
Em 2013, o DNPM publicou a Portaria n° 526, que estabelece a periodicidade de atualização e revisão, a qualificação do responsável técnico, o conteúdo mínimo e o nível de detalhamento do Plano de Atendimento à Emergências (PAE) para barragens de rejeitos de mineração.
Em maio de 2017, a Portaria Nº 70.389 do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) estabeleceu inspeções especiais diárias quando houver necessidade (antes era semanal) e tornou obrigatórias a instalação de sistemas de monitoramento e elaboração de um mapa de inundação.
Em 2019, como já mencionamos neste artigo, a resolução No 4 da ANM veio proibir a construção ou alteamento de barragens a montante. Além disso, também proibiu às mineradoras manter ou construir instalações com presença humana na Zona de Autossalvamento (ZAS) e obrigou a adoção de sistemas automatizados para o acionamento de sirenes.
Plano de ações de Emergência
De acordo com as normas do PNSB, o Plano de ação de Emergências (PAE) é obrigatório para todas as barragens de rejeitos independente do dano potencial.
O PAE deve conter informações gerais da barragem; procedimentos preventivos e corretivos para situações de emergência; detecção, avaliação e classificação das situações de emergência; fluxograma e procedimentos de notificação, além das responsabilidades gerais no que se refere à segurança.
O documento deve incluir ainda uma análise de possíveis cenários de impactos a jusante causados por uma hipotética ruptura, bem como um mapa de cenários com a delimitação geográfica das áreas potencialmente afetadas.
Ciência de dados e monitoramento
Nos dias atuais, o uso da automatização para a instrumentação de barragens vem reduzindo sensivelmente os problemas de inspeção e validação de sensores.
Entre os métodos de coleta de dados, o monitoramento em tempo real é o mais indicado, pois permite examinar as tendências constantemente e avaliar os resultados com mais rapidez.
Por meio do uso de sistemas inteligentes, esse monitoramento resulta no reconhecimento de padrões, mineração de dados e até mesmo na autoavaliação dos sistemas por inteligência artificial.
Sistemas de drenagem
O beneficiamento de minério consome um grande volume de água, que no final do processo acaba sendo descartada juntamente com outros rejeitos.
Como diversas rupturas em barragens de rejeito estão associadas a fenômenos de galgamento, liquefação e piping, o manejo adequado desta água torna-se necessário como medida de segurança.
Composto por filtros e drenos, o sistema de drenagem interna serve para controlar e orientar a percolação da água por meio da fundação e do maciço. Com isso, ele otimiza a rede de percolação para evitar a saída de gradientes hidráulicos excessivos, prevenindo a ocorrência de piping.
Outra função da drenagem interna é contribuir para a segurança ao escorregamento do talude de jusante, reduzindo o trecho da superfície crítica submetido às forças de percolação e subpressão e o trecho de material saturado.
Estudo de DAM Break
A simulação hipotética do rompimento de uma barragem, também conhecida como estudo de DAM Break, é extremamente importante para a análise dos riscos de uma barragem de rejeitos.
Os resultados deste estudo permitem conhecer a extensão, a magnitude e a severidade dos impactos que podem estar associados a um eventual rompimento parcial ou total da barragem.
A partir do DAM Break é possível verificar o comportamento aproximado do fluxo de material na área a jusante, de modo a aplicar o PAE para minimizar suas consequências.
Este é um estudo com alto grau de complexidade, que utiliza diversas informações físicas da barragem em conjunto com informações hidrológicas e dados da área a jusante, para oferecer previsões de alta precisão e garantir a correta elaboração do relatório com as medidas de segurança adequadas.
Agora que você já sabe mais a respeito das medidas para garantir a segurança em barragens de rejeitos de mineração, que tal conhecer os serviços da Fractal? Somos especializados em estudos hidrológicos, DAM Break, ISR, PSB, PAE, e sistemas de previsão de vazão, com foco na área de segurança e monitoramento de barragens.
Clique aqui para agendar uma conversa com um de nossos especialistas.